arquivo

e-mail para hugo.santanna@ufes.br instagram @psicologiamatematica twitter @hugocristo youtube github hugocristo modeling commons (netlogo)
30/11/2021

Loop (2014-2022)

Todo fim é começo. Foi assim quando decidi encerrar as propostas do Núcleo de Interfaces Computacionais (“NIC”, julho de 2009 a fevereiro de 2012), do Laboratório de Psicologia da Computação (“LabPC”, março de 2012 a fevereiro de 2014) e, neste momento, do Laboratório e Observatório de Ontologias Projetuais (“Loop”, março de 2014 a março de 2022). Os três projetos tiveram como objetivo despertar interesses de estudantes de graduação dos Curso de Desenho Industrial (2009-2014) e Design (2015+) da Ufes por temas incipientes ou ausentes da grade curricular.

A proposta do NIC refletiu meu ingresso como efetivo em 2009, aprovado no concurso para professor de “Design de Interfaces Digitais”. A grade curricular, a mesma que cursei entre 1998 e 2003, tinha cinco (05) disciplinas do total de 45 com espaço para discutir temas como usabilidade, design de interação e experiência do usuário: Computação Gráfica I, Computação Gráfica II, Multimídia I, Multimídia II e Ergonomia.

Minha experiência profissional prévia como designer-programador permitiu extrapolar as demandas do concurso, de modo que os projetos do NIC envolveram programação no desenvolvimento de sistemas de diversas naturezas. O desafio era superar o “desenho” das interfaces, implementando as propostas integralmente com código. Acredito que, mesmo entre os egressos do NIC que não continuaram o desenvolvimento das habilidades de programação, permaneceu ao menos o interesse acentuado por tecnologias computacionais. Entre meus orientandos de Projeto de Graduação (nosso “TCC”) que transitavam pelo NIC, a situação era semelhante.

Ingressei na Ufes como mestre em Psicologia e iniciei o doutorado em 2010, pouco tempo depois de ter começado os encontros do NIC. O contato dos estudantes com a Psicologia e as Ciências Cognitivas foi, sem dúvidas, outra contribuição da proposta do Núcleo. Todas as discussões sobre design de interação, usabilidade e experiência do usuário eram invadidas por autores, conceitos e teorias psicológicas, assim como os projetos de pesquisa e de extensão daquele período.

No final de 2011, o mercado capixaba experimentava uma explosão de oportunidades para designers com competências digitais. Eu havia circulado pelas cinco disciplinas de tecnologia por quase três anos e o corpo discente estava atento às novidades sem necessidade de indução. Ao mesmo tempo, minha pesquisa no doutorado começava a se definir e decidi arriscar a primeira mudança: em vez de discutir aplicações instrumentais da Computação e Psicologia ao Design, inverti a ênfase e passei a discutir o Design como meio para promover a aprendizagem de princípios da Computação. Parte dos integrantes da formação original do NIC me seguiu na nova empreitada, enquanto outros se graduaram ou perseguiram caminhos distintos em outros grupos de pesquisa do Curso.

Com a inversão, surgiram o LabPC (2012) e as iniciativas Scratch Day Ufes (2012-2013), Pen-C (2012) e RocketSocket (2013-2014). Pesquisamos o projeto Um Computador por Aluno (UCA) no ES, apresentamos trabalhos, tentamos aproximações com escolas municipais e estaduais, oferecemos formação para professores em temas relacionados ao pensamento computacional. O formato e proposta do LabPC permitiram novos tipos de indução, relacionados a problemas educacionais envolvendo tecnologias computacionais.

Desde meados dos anos 2000, professores e estudantes do nosso curso estiveram envolvidos na produção de material instrucional para os cursos a distância ofertados pela Ufes via Universidade Aberta do Brasil (UAB). O Laboratório de Design Instrucional (LDI), responsável pela produção, sempre foi um espaço de excelência, mas as discussões teóricas sobre design instrucional, aprendizagem e cognição ainda eram distantes da grade curricular. O LabPC representou um esforço nessa direção, seja por meio da concepção e realização de oficinas como Scratch Day, seja como espaço para que estudantes pudessem conhecer, debater e aplicar teorias de aprendizagem a jogos, aplicações e linguagens de programação.

Em 2013, aproveitando as discussões do LabPC e o desenvolvimento da minha tese, consegui implantar o ensino de Processing, HTML e CSS para as turmas de Computação Gráfica II. Design computacional e generativo deixaram de ser tabu, ao mesmo tempo em que o mercado aumentou o prêmio por designers capazes de irem além das concepções estrutural e visual de interfaces. De certo modo, o sucesso aparente das experiências de ensino de programação nas disciplinas obrigatórias reduziu a demanda de indução do LabPC e pude investir em outra frente ainda pouco explorada: a formação empreendedora.

No período que antecedeu a transformação do LabPC em Loop, ofertei disciplinas optativas sobre empreendedorismo, realizei palestras de empresas locais para os estudantes, tentei reativar a empresa júnior (Phocus) e até ensaiei um processo de pré-incubação, a “Index”. Quando os encontros do Loop começaram a acontecer, no primeiro semestre de 2014, os participantes eram principalmente egressos do curso que dirigiam ou atuavam em negócios de design. No segundo semestre daquele ano, a parceria com a nova diretoria da Phocus deu origem ao projeto de extensão da Imersão, iniciativa de extensão mais rica e duradoura que já participei.

O Loop foi fundado em 2014 para acelerar a aproximação do corpo discente com a realidade fora da Universidade, no espírito do Design Social em que me formei. As “ontologias projetuais” não são nossas, mas das agroindústrias familiares, artesãos, empreendedores populares e atores governamentais com os quais interagimos ao longo dos últimos sete anos. A ideia do “observatório” implica a existência do fenômeno projetual antes da nossa chegada, como preconiza o Design Social – procuramos interlocutores que projetavam antes da nossa chegada e que continuaram projetando após a nossa partida.

Assumi a coordenação do Curso em maio de 2014 e não medi esforços para que a interação dos estudantes com problemas reais transbordasse do Loop para o restante do Curso. Assim, tivemos disciplinas optativas ministradas em parceria por três empresas de Design (o “Apocalipse”, 2014); realizamos a experiência piloto do Cidades, incubando e qualificando três empreendimentos de estudantes do Curso ao longo de 2016; organizamos o curso de aperfeiçoamento Design 360º em parceria com empresas locais, contando com palestrantes de todo o país; realizamos o Dia D (2016), oferecendo orientações gratuitas sobre Design a empreendimentos em pleno domingo na Ufes; iniciamos parcerias com Pró-Reitorias para construir e disseminar aplicativos para a comunidade (Aedes Zero, #Partiu Ufes); desenvolvemos aplicativos premiados com professoras e mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (2016-2020); levamos a Imersão (2014-2018) a nove municípios, a duas jornadas de extensão e eventos regionais; participamos da concepção e desenvolvimento do sistema de monitoramento SigDesastre (2019-2020); firmamos parcerias com instâncias do Governo do ES para melhorar serviços de governo eletrônico (2019-presente); levamos demandas reais de micro e pequenos negócios para dentro de sala de aula (Projeto de Integração com o Mercado – “Prime”, 2019); integramos equipes de pesquisadores que realizaram diagnósticos para subsidiar políticas públicas (DRS, 2020-2021); conduzimos quatro projetos de iniciação científica (2019-2020 e 2020-2021); e, finalmente, estamos atuando no desenvolvimento do Hub Criativo Virtual, portal da economia criativa capixaba em parceria com colegas da Ufes, Instituto Federal do ES e CEET Vasco Coutinho. Publicamos, viajamos bastante, prestamos muitas contas. Em novembro de 2021, somos 18 integrantes, incluindo bolsistas, visitantes e agregados.

O Loop, diferente de NIC e LabPC, não chegará ao seu oitavo ano de existência com a proposta saturada. Se tudo permanecer como está, as parcerias continuarão a ser formadas e novos projetos entrarão na rotina do laboratório. Mais bolsas serão custeadas e resultados entregues. O Loop já recebeu três gerações de estudantes, sendo que alguns deles ingressaram na equipe no primeiro período do Curso e estão em vias de colarem grau.

Quais seriam as motivações para encerrar a experiência exitosa do Loop e recomeçar, mais uma vez? A resposta está no caráter indutor de todas as iniciativas que realizei na Ufes. Meu ingresso no quadro de professores colaboradores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Ufes (2021) abriu um novo horizonte de oportunidades, especialmente porque o Curso de Design não possui pós-graduação. Desde março deste ano, tenho duas orientandas de mestrado, ambas psicólogas. Sou coorientador de uma dissertação de mestrado em Psicologia na Universidade de Évora, em Portugal. Criar condições para que outros designers possam cursar a pós-graduação em Psicologia é um compromisso pessoal que requer atenção e planejamento.

Uma segunda motivação decorre do ensino remoto emergencial (2020-2022). Para enfrentar as demandas didáticas causadas pela pandemia de Covid-19, desenvolvi uma nova versão do meu sistema personalizado de instrução (Fred2) e a versão online de RocketSocket. Essas tecnologias educacionais podem ultrapassar os muros da Universidade se devidamente investigadas, avaliadas e aprimoradas. Tenho administrado e mantido as duas tecnologias sozinho, por falta de tempo de preparar orientandos e dividir tarefas. Os demais projetos bem-sucedidos do Loop não deixam espaço na agenda para investir nessas e outras pesquisas que ainda não geram bolsas. Em 2020, desenvolvi outras duas linguagens de programação [1, 2] e o protótipo de computador educacional de baixo custo. Nenhuma dessas iniciativas encontrou espaço na rotina do Loop.

Em vez de encerrar o Loop, uma alternativa seria renunciar à coordenação do laboratório, encontrando outro pesquisador capaz de conduzir os projetos e manter a fórmula em operação. Apesar de viável, este caminho seria contraditório com a proposta que fundou o laboratório. A aproximação com o mercado está feita e consolidada, dentro e fora do Loop. A nova grade curricular do Curso, implantada em 2020, inclui quatro disciplinas de prática extensionista obrigatórias denominadas “Projeto Integrado à Comunidade” (60h cada). Todos os estudantes, participantes ou não de projetos e laboratórios que realizam extensão, terão a oportunidade de serem protagonistas em situações reais fora da Ufes. Além disso, outros laboratórios de pesquisa do Departamento de Desenho Industrial têm realizado aproximações relevantes com empresas, comunidade e governo. É uma mudança positiva e generalizada que autoriza a busca de novas frentes pouco exploradas.

Diante do exposto, optei por planejar o encerramento do Loop em março de 2022 e início de uma nova proposta no mês seguinte. Estamos fazendo um investimento razoável para publicar todo o histórico do período 2014-2022 no site, que permanecerá online por tempo indeterminado. Devo reorganizar e dividir o espaço que ocupamos no Cemuni IV com outras iniciativas em gestação no Departamento de Desenho Industrial. Precisarei de pouco espaço e muita paciência.

O que está por vir será menor, muito menor do que o Loop se tornou. Deixará de ser “laboratório” para voltar a ser “grupo de pesquisa”, migrando da atuação geral para temas específicos, abordados um de cada vez. A distinção que fiz em 2019 entre “computação no design” e “computação do design” fornece pistas sobre o tipo de lacuna que pretendo explorar. O desafio será começar do nada e quem sabe atingir o sucesso do Loop em uma década. Temos iniciações científicas em fase de preparação, abordando temas e fazendo escolhas mais compatíveis com aquilo que acredito ser a missão de qualquer grupo de pesquisa de universidades públicas.

Valorizarei, mais do que nunca, a ciência lenta, as interações próximas, duradouras e silenciosas que possam fazer a diferença na vida das pessoas que não podem estar na universidade.

Obrigado a estudantes, professores, técnicos e parceiros que participaram destes anos incríveis.

Viva o Loop!

Índice do blog