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21/12/2024

O fim está próximo (?)

Não tive um ano tão difícil na docência desde o ensino remoto da pandemia de Covid-19 (2020-2021). Ponderações sobre os eventos atípicos de 2024 relativizam, sem invalidar, a minha percepção das dificuldades: início do mandato de chefe de departamento (fevereiro), greve nas IES federais (abril-julho), reposição de aulas (agosto-outubro), calendário ajustado (que empurra o fim “administrativo” de dezembro 2024 para abril de 2025) e um final de ano em que todos ao meu redor estão tão ou mais exaustos que eu.

Este mesmo ano foi estranhamente produtivo. Fortaleci parcerias dentro e fora da Ufes (e do país), iniciei vários projetos novos e entreguei muitos outros – alguns registros estão no arquivo deste blog. Sempre entendi que dificuldades funcionariam como estímulo, vide a quantidade de coisas realizadas em um ano que não deixará saudades. Este é, evidentemente, um ponto de vista idiota.

Envelhecer me faz entender que não há nada mais tonto do que tentar compensar cada ausência, ingerência ou deficiência no trabalho com esforço, pelo simples fato de que o mesmo esforço em condições menos precárias poderia ter resultados superiores. Em outros termos, após 20 anos no ensino superior e 15 na rede pública federal, entendi que é melhor fazer menos, ou até não fazer nada, para economizar energia para as ações que farão diferença. Ou, ainda, buscar outro trabalho em que seja possível aproveitar aquele esforço devidamente. O senso de inércia da administração pública é uma coisa indescritível para pessoas inquietas como eu.

Quando reestruturei o Loop como Forma em 2022, tive como um dos objetivos reduzir a quantidade de atividades em paralelo, encolher a equipe para acompanhar e orientar as pessoas mais de perto e concentrar esforços naquilo que fazemos de melhor. Os resultados positivos foram evidentes, apesar de estarem confinados porta adentro do grupo de pesquisa. Fiquei tão satisfeito que deveria ampliar essa mudança de perspectiva para a sala de aula, para as tarefas administrativas e para a minha própria carreira no ensino superior federal.

O ano de 2024 me deixou repleto de dúvidas, ansiedade e inseguranças quanto ao futuro da educação, que é o meu trabalho. Tem muita gente preocupada com os impactos da inteligência artificial (IA) na sala de aula e acho que o problema é outro. Mesmo assim, a IA foi o tema recorrente de algumas mesas redondas e palestras para as quais fui convidado como “especialista”. Não sou nada disso, mas estudo para não falar groselha e não me deslumbrar de graça, então “funciono”.

Registro da mesa ConexõesUfes.IA, produzido pela TVE.

O que realmente me assusta e me desafia é o fim da educação, que é o tema do meu livro que vem aí. Talvez, seja também (se eu tiver sangue) o tema de um perfil “quase diário” sobre o processo de escrita do livro. Preciso fazer um breve desvio sobre este ponto, pois tenho estudado a rotina dos criadores de conteúdo com bastante cuidado e me espanta o que parece ser necessário para essas coisas darem certo. Fiz três bons cursos neste ano, um deles com mais de 400h, e todos eles sugerem que o trabalho não é pequeno para alcançar as pessoas certas e criar uma comunidade em torno de uma ideia. Veremos.

Sou “criador de conteúdo” desde 2000, quando coloquei este site no ar, devidamente acompanhado de um “blog”. Entretanto, a Internet daquela época era outra coisa (tecnicamente, era mato). Conversávamos, no máximo, com 20 ou 30 pessoas, todas conhecidas presencialmente, ou que viriam a se tornar conhecidas, e elas eram mais do que suficientes para construir uma comunidade em torno de interesses comuns. Estamos muitos milhares de seguidores além das capacidades cognitivas que nossa espécie selecionou para dar conta. O podcast “De saída das redes”, de Beatriz Trevisan e Chico Felitti sobre a Jout Jout, aborda essas mesmas questões e o recomendo bastante aos dinossauros da minha geração.

De volta ao tema deste texto, “o fim da educação” pode dizer respeito à finalidade, à razão de ser e ao propósito dessa jornada que, mesmo com tudo indo pelos ares, ainda parece o melhor caminho para buscarmos futuros com mais equidade e oportunidades para todos. Era a promessa mais importante deste país desigual aos filhos dos trabalhadores. Mas “o fim da educação” igualmente aponta para o colapso dessa jornada, que não é mais um palpite e sim um fenômeno em vias de consolidação.

De coaches mirins a meus alunos ingressantes, cada vez menos jovens, de qualquer classe social (ainda que por razões diferentes) acreditam no investimento de quatro ou cinco anos de formação superior. Tal investimento pode chegar a dez anos, quando esses jovens optam pela pós-graduação. Colegas da rede estadual no ES relatam interesse pífio de suas turmas em tentarem o Enem e o SISU, para acessarem o ensino superior. Outros companheiros das IES federais capixabas e do resto do país relatam prédios esvaziados, turmas que só parecem (quase) cheias durante as aulas e olhe lá. Desde 2023, não tive uma turma de ingressantes completa sequer no 1º período na Ufes: às vezes temos 30 no primeiro dia de aula, embora alguns abandonem já nas semanas iniciais e a turma chega ao final do semestre com cinco ou mais baixas.

Destaque da matéria sobre coaches mirins, na Folha (04/12/2024).

Meu objetivo, em 2025, será refletir se estamos atingindo o fim da educação, seja como finalidade ou como colapso. É o prazo que me dei para entender se a minha própria jornada na docência chegou ao fim, tanto nos termos de propósitos quanto de esgotamento.

Ainda lançarei, no segundo semestre, o (mais do que esperado e atrasado) livro-manual do openEvoc, que está bem adiantado e virá acompanhado de muitas aulas online em português e espanhol. A comunidade latino-americana em torno do programa é uma das coisas que mais me orgulha em toda a minha carreira.

Por fim, a retomada do hábito de escrever no blog me fez bem, a despeito da falta de regularidade e meses com zero produção. Por outro lado, é difícil entender o que cerca de 2000 usuários únicos mensais buscam nestas páginas, para além do acesso aos serviços (Fred, openEvoc e downloads). A ausência de espaços para comentários (obrigado, bots) impede a construção de diálogos públicos e, quem sabe, o tal perfil facilitará as conversas.

“Inscreva-se no canal e ative o sininho para receber as notificações”: @ofimdaeducacao.

Feliz 2025!


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