Maturana, Gibsons e Math-Varela
Nota: Postei este texto como fio no Twitter em 10/04/21. O registro é importante para as publicações que estão por vir, além da possibilidade incluir links para as referências que citei e acertar detalhes.
Em retrospectiva, meu estudo de Maturana sempre esteve mais "em dia" que o de Varela. Há relação com o falecimento precoce de Varela, com as reedições e publicações de novos textos de Maturana, mas também com os esforços de difusão das novidades por grupos daqui (p.ex. UFMG).
O último livro de Maturana que comprei saiu no Chile em 2019, sobre o viver cotidiano. Temos a escola de formação, os novos parceiros de escrita, as palestras "tipo-TED" etc. Com Varela foi diferente. Parei no Conhecer/Mente Corpórea e alguns artigos pré-neurofenomenologia.
Eu não tinha capacidade para essas leituras lá por 2005-10 (faltavam bases filosóficas) e o enativismo entrou na agenda de outros autores. Estes não estão necessariamente na mesma trilha de Varela, pois felizmente o que chamamos de cognição incorporada tem múltiplas abordagens.
E há os Gibsons, que sempre foram atraentes, seja pelos quatro pés na psicologia, pelo peso de Eleanor nos estudos de desenvolvimento ou por Gibson ser um dos meus "filósofos" favoritos (leio o Ecological Approach assim). Fui, assim, mais atento a Maturana e Gibsons.
Os Gibsons tiveram seus discípulos e colaboradores que trouxeram a teoria para o século XXI. Os livros seguem editados (caros) e discutidos. Descobri Chemero (Radical Embodied Cognitive Science) logo que saiu e foi outro refresco. Sistemas dinâmicos me atraíam, mas faltava estofo matemático.
Então, por muito tempo, eu fiquei numa quase-matemática dos dinamicistas ecológicos e na quase-neurofenomenologia de Varela. "Quase", por minha incompetência, é claro. Maturana seguiu sendo o mais útil para discutir e explicar capacidades de projeto sem descambar para mentalismos.
Os diálogos de outros brasileiros com Maturana ajudam bastante. Há muita gente propondo pontes interessantes. Semana passada descobri o antropólogo linguista mineiro Beto Vianna.
Entra Evan Thompson. Difícil ignorar o trabalho dele ou sua história de vida imbricada com todo esse horizonte da cibernética pós-1970. Em entrevistas e palestras dos seus livros (ótimos, inclusive), Thompson indicou um Varela que eu não conhecia, dos períodos que ignorei.
O primeiro, do período de gestação da teoria da autopoiese, pré-Máquinas e Seres Vivos. O segundo, da neurofenomelogia propriamente dita. Há um Varela computacional ali, interessado em sistemas formais e menos falante na Árvore do Conhecimento. É claro que o bittorio tem raízes...
Mas você pode ler aqueles trechos no Mente Corpórea e pensar que são versões menos pretensiosas que a "nova ciência" de Stephen Wolfram. Só que descobri o Principles of Biological Autonomy com esses temas. É raro, caro e desconfortável para ler digital. Mas Math-Varela está lá.
E seguindo as pistas, os trabalhos de Varela desse período talvez sejam a ponte que faltava para discutir e explicar o que me interessa. Eu derivei ideias de Maturana e Varela por muito tempo, recursão em especial, sem conhecer os textos de Math-Varela no assunto. Não falei bobagens, ora pois.
Enativistas e ecológicos têm suas incompatibilidades, apesar dos esforços dos conciliadores. Meu palpite é que a proximidade que mantive entre Maturana e Gibsons pode ganhar novo fôlego. Marr acusou James J. Gibson de subestimar o problema da percepção, só não contava com Math-Varela.
Eu reclamo que há pouca produção teórica no design. Somos aplicadores acríticos. Entretanto, tudo isso começou em duas notas de rodapé nas Sete Colunas do Design de Bonsiepe, que li ainda na minha graduação. É a teoria que temos e segue como melhor explicação.