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29/03/2024

Newton da Costa e o convite à filosofia da Matemática

Este texto é uma resenha breve do livro Introdução aos Fundamentos da Matemática, do filósofo brasileiro Newton da Costa (2008) — Ed. Hucitec. A obra já circulou no Bibliófilo Aprendiz e merece uma apresentação mais cuidadosa por aqui.

O livro foi escrito originalmente para um curso ministrado pelo Prof. Newton da Costa no Instituto de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em outubro de 1961. Segundo as informações da orelha do livro, Newton Carneiro Affonso da Costa (1929-) é natural de Curitiba e professor aposentado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Engenharia Civil e Matemática, o autor obteve o título de Doutor em Matemática pela Universidade Federal do Paraná em 1961. Realizou importantes contribuições para a ciência brasileira, destacando-se como um dos criadores da lógica paraconsistente, além de seus aportes para a teoria dos reticulados e para a teoria estrutural das ciências empíricas.

Newton da Costa comentou, no prefácio da primeira edição do livro, que partes do conteúdo são modificações de artigos publicados na Revista Brasileira de Filosofia e que se trata de exposição de caráter elementar, orientada a estudantes de Matemática e Filosofia. No prefácio da segunda edição, o autor relatou ter realizado poucas modificações, tendo como objetivo principal tornar a obra disponível novamente para novas gerações de estudantes.

O texto está organizado em quatro capítulos, acompanhados da introdução e bibliografia. Esta última seção foi dividida em duas partes: a primeira lista os trabalhos referenciados ao longo dos capítulos e a segunda indica textos complementares, considerados pelo autor como ótimas referências para o estudo dos fundamentos da matemática.

Na introdução, o autor alega que a filosofia da matemática tem duas finalidades: a primeira consiste em caracterizar e explicar, criticamente, o estado presente da evolução da matemática; a segunda dedica-se a elucidar e explicitar os conceitos e princípios básicos da área. Nesses esforços, a filosofia da matemática busca determinar ideias e suposições que fundamentam as verdades matemáticas, bem como analisar o mecanismo da lógica formal. Para tanto, os capítulos subsequentes abordam três correntes principais da filosofia da matemática: o logicismo, o intuicionismo e o formalismo. O autor ressalta que, a despeito de existirem outras correntes, avalia que todas seriam variações das três elencadas.

O capítulo 1 trata do logicismo, abordando suas origens históricas no final do século XIX. Inicia citando os impulsos de Cauchy, Abel e Weierstrass para o movimento de retorno aos fundamentos da matemática, que almejou assentar as distintas disciplinas dessa ciência sobre bases sólidas. O autor comenta brevemente sobre a arimetização da análise matemática e a procura pela definição rigorosa de conceitos como número real, complexo etc., tendo como ponto de partida as propriedades dos números naturais. Ainda figuram, no capítulo, o surgimento das geometrias não-euclidianas, os avanços na lógica formal pela contribuição de Boole, Peano e colaboradores, o pioneirismo de Frege (pouco considerado e posteriormente redescoberto por Russell) e o trabalho de Cantor no estudo dos conjuntos.

O autor define o logicismo como a convergência das indagações da virada do século XX, liderada por Russell, e que seria resumida pela ideia de que a matemática se reduz à lógica – mais precisamente à logística, lógica matemática, lógica simbólica ou lógica algorítmica. Newton da Costa parafraseia Russell para explicar que, para o logicismo, lógica e matemática são a mesma disciplina, diferindo-se apenas quanto à maturidade (p.20):

“A lógica é a juventude da matemática, e a matemática é a idade adulta da lógica.”

O segundo capítulo discute o intuicionismo, representado pelo matemático holandês L. E. J. Brouwer. Para este autor, o matemático não descobre as entidades matemáticas, sendo responsável pela criação das entidades que estuda. Dizer que algo “existe” em matemática significa ter sido construído pela inteligência humana em um processo intuitivo e, não obstante, racional. Newton da Costa pondera sobre as dificuldades para se resumir o intuicionismo e adota a estratégia de descrever como Brouwer e seus seguidores atacariam os problemas e contradições enfrentados pelo logicismo. Além disso, toca em aspectos gerais da lógica e matemática intuicionistas, mencionando as inovações criadas por seus proponentes nas teorizações sobre conjuntos, na definição das “entidades” e “espécies” matemáticas, bem como de suas hierarquias.

O capítulo 3 disserta sobre o formalismo, que tem entre seus expoentes o matemático alemão David Hilbert, e procede pelas conquistas do método axiomático. Este método parte da seleção de certo número de noções e proposições primitivas, sobre as quais se constrói a teoria de interesse. As demais ideias e proposições exigem definições e demonstrações para serem aceitas, investigando-se as consequências do sistema proposto. As origens do método axiomático remetem aos Elementos de Euclides, que parte de noções primitivas, tais como ponto e reta, e de algumas proposições aceitas sem demonstração. A obra “Fundamentos da Geometria”, de Hilbert (1899), corresponde a um tratamento moderno da geometria euclidiana. Newton da Costa defende que o método axiomático não está restrito à estruturação lógica do pensamento e consiste em importante instrumento de trabalho e pesquisa do matemático.

Ao contrário dos logicistas, os formalistas não aceitam a redução da matemática à lógica, por pensarem a primeira como a “ciência da estrutura dos objetos” (p.52). O estudo destes objetos requer sistemas apropriados de símbolos, em que os significados não são o foco de interesse, isto é, pode-se estudar as propriedades estruturais dos objetos em termos puramente formais. Os teoremas de Gödel são então considerados no âmbito da perspectiva formalista: o primeiro, referente à incompletude das axiomáticas consistentes da aritmética; e o segundo relativo à impossibilidade de se demonstrar a consistência de qualquer axiomática consistente empregando a própria axiomática.

O último capítulo, intitulado “Matemática e linguagem”, caracteriza o estado da matemática (nos anos 1960) em termos semióticos, evidenciando suas dimensões sintática, semântica e pragmática. Newton da Costa então recuperou aspectos das exposições dos capítulos anteriores para situar a matemática no quadro geral das teorias da linguagem. O esquema que encerra o capítulo oferece uma síntese precisa do percurso do livro e situa a matemática no ramo da semiótica pura dos estudos da linguagem.

Em termos gerais, a obra consiste em introdução interessante aos fundamentos da matemática. A linguagem é quase sempre acessível, exceto em algumas passagens sobre o intuicionismo e na exposição dos teoremas de Gödel. A indicação das bibliografias é outro ponto que merece destaque, na medida em que anuncia para o estudante de Matemática e Filosofia as obras fundamentais a serem exploradas na sequência. Por fim, vale ressaltar que o autor teve o cuidado de reunir as principais críticas ao logicismo, intuicionismo e formalismo ao final dos respectivos capítulos, ademais de comentar brevemente quais itens da bibliografia permitem o aprofundamento dos temas apresentados.


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