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23/08/2022

Sistemas de ensino #1

Professores são necessariamente autores de sistemas de ensino. Preparamos apresentações, planejamos atividades para dentro e fora de sala de aula, corrigimos trabalhos, elaboramos devolutivas, organizamos palestras com convidados, promovemos seminários e dinâmicas, programamos visitas técnicas e excursões. Mesmo as famigeradas provas integram um conjunto mais ou menos organizado de relações, que podem trazer à tona oportunidades para que estudantes explorem e atuem sobre os conteúdos programáticos, enquanto interagem entre si e conosco.

Conceituar esse conjunto mais ou menos organizado de relações como sistema de ensino não me parece malabarismo retórico. O descrédito atual experimentado pelos professores não será resolvido por mudanças no vocabulário empregado para descrever a atividade. Tampouco me parece que ajudaria rebatizar o que todos nós fazemos diariamente, geralmente em condições adversas, como "extraordinário", "especial" ou "diferenciado". Quase sempre, fazemos o que dá.

As adversidades não são apenas infraestruturais, de salário e sobrecarga de jornada. Observo reduções expressivas nas motivações de estudantes para a permanência em sala de aula durante o período previsto para os encontros; aumentos de questionamentos acerca da frequência, finalidade e qualidade das avaliações; e, de modo mais importante, intensificação das queixas sobre a falta de diálogo entre a formação oferecida pelos cursos e a futura inserção profissional. Essas observações dizem respeito às disciplinas sob minha responsabilidade e àquelas conduzidas por colegas de departamento e de instituição. Como todos sabemos, nenhum professor é poupado do que acontece nas salas vizinhas.

A resposta mais popular tende a responsabilizar o corpo discente, como fazemos desde sempre. Estudantes nunca querem nada, nunca estão interessados, não aprendem porque não se dedicam, entre outras explicações convenientes. Ora o problema é geracional (“no meu tempo [o do professor quando era aluno], não era assim”), ora é da “safra ruim” de ingressantes. Às vezes, também sobra para os finalistas, que só pensam em estágios e freelances, em conseguir empregos e outras questões "irrelevantes" de quem tem sonhos e contas a pagar.

Se o ensino é caracterizado como uma série de interações entre agentes independentes, com referências e objetivos distintos sobre aquela situação, seu sucesso só pode ser alcançado por mágica. Aliás, pensamento mágico é a melhor categorização possível para a frase “eu ensinei, a turma que não aprendeu”. Cabe mencionar que há pesquisadores que argumentam que as queixas crescentes, desmotivação, desinteresse do corpo discente e demais conflitos observados nas instituições de ensino decorrem precisamente desta caracterização equivocada. Eu compartilho esta visão há alguns anos.

Enquanto autores de sistemas de ensino, concebemos mais do que um balcão em que estudantes fazem “pedidos de conhecimento” para consumir na hora ou levar para casa. O ensino remoto, ofertado nos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, eliminou qualquer dúvida restante sobre a eficácia de repositórios de material didático. “Restante”, porque as gerações que ingressaram na educação infantil no mundo pós-Internet jamais serão convencidas de que há algo no cardápio institucional que não poderia ser facilmente consumido online.

Sem dúvidas, esta avaliação é superficial, como boa parte dos conteúdos facilmente encontrados de graça (ou pagos com likes) na rede. Mas se não somos um balcão entre muitos, o que somos? Quais seriam as vantagens práticas de caracterizações sistêmicas do ensino? O que ofereceriam para remediar a desmotivação, desinteresse e mitigar conflitos?

Em 2018, fiz meu estágio de pós-doutorado investigando sistemas personalizados de instrução (PSI). Dessa pesquisa, surgiram duas versões do meu ambiente Fred, um PSI feito para a Web. A versão 2 salvou minhas disciplinas (e minha sanidade) durante quatro períodos de ensino remoto (2020-2021) e fortaleceu minhas convicções para desenvolver a versão Web de RocketSocket. Esta é uma linguagem de programação para iniciantes desenvolvida como parte da minha tese de doutorado. A versão online foi utilizada com bons resultados por três períodos consecutivos, dois online (2021/1 e 2021/2) e um presencial (2022/1), sempre integrada ao Fred.

Entre setembro e dezembro de 2022, estarei afastado de sala de aula para licença de capacitação. Elaborei um programa de estudos, incluindo visitas a outros grupos de pesquisa, com o intuito de fundamentar a análise do oceano de dados que coleto no Fred desde 2020 e RocketSocket desde 2021. Estou formulando um modelo do ensino de programação para designers, baseado em princípios da cibernética. Em linhas gerais, trata-se da continuidade da minha tese, com aprofundamento das dimensões teórica e empírica daquele trabalho.

Os relatos da experiência do primeiro ano com o RocketSocket serão apresentados remotamente no P&D 2022, em outubro deste ano (PDF do artigo em breve). Esboços iniciais do modelo serão apresentados no encontro anual da IAPCT, também em outubro. Relatarei questões relevantes do programa de estudos neste blog, incluindo eventuais publicações relacionadas.

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Um objetivo secundário da licença, mas primário para a continuidade da minha vida acadêmica, é concluir a transição da minha pesquisa da área de Design para a Psicologia. Iniciei este movimento no estágio de pós-doutorado, que foi seguido pelo ingresso no quadro de docentes colaboradores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Ufes e, finalmente, com o encerramento do Loop e início do for/ma.

Demorei muito tempo para compreender a melhor maneira de articular Design, Computação e Psicologia, sendo esta última o eixo central para continuar a conduzir o tipo de investigação que me mantém motivado e que parece fazer mais diferença na minha prática docente.

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