Te entendo, Richard (sobre desistir da vida acadêmica)
Richard McElreath é uma grande referência para mim. Ele é o diretor do Departamento de Comportamento Humano, Ecologia e Cultura do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva (Alemanha). Também é muito conhecido pelo excelente título Statistical Rethinking, atualmente na segunda edição e uma das melhores introduções ao pensamento estatístico [bayesiano]. O texto é excelente e ainda acompanha o curso gratuito, atualizado anualmente, em vídeo e repositório dos códigos-fonte.
Excelente comunicador, suas palestras em vídeo disponíveis no YouTube são aulas incríveis sobre questões centrais da atividade científica, conduzidas com ótimo senso de humor e muitos casos concretos e atuais.
A parte que mais me interessa no trabalho de McElreath surgiu de uma coincidência. A colega Natália Dutra (UFPA) comentou, no finado Twitter, sobre o clássico de Robert Boyd e Peter Richerson – Culture and the Evolutionary Process. Como bom bibliófilo, encontrei um exemplar perdido na Estante Virtual e fiquei absolutamente impressionado com a proposta. É a mesma luta da Psicologia Matemática, só que na Antropologia.
Continuei a vasculhar a produção da dupla e descobri que Boyd é coautor de um livro de McElreath na mesma linha: Mathematical Models of Social Evolution - A Guide for the Perplexed, uma preciosidade. Este trabalho é o evangelista do extremo matemático da modelagem que me interessa. No outro extremo, encontramos a modelagem computacional, difundida pelo Santa Fe Institute (EUA) e por gênios como Paul Smaldino. Cada extremo defende seu peixe, isto é, a formalização algébrica ou a implementação em programas dos modelos, e ambos são muito convincentes. Ainda que divergindo sobre como enfrentar o problema da modelagem, as colaborações McElreath-Smaldino são leituras excelentes, dentre as quais destacaria as publicadas em 2015, 2016, 2018 e 2023.
Dada a minha admiração sincera pelo pesquisador que acabo de apresentar, me surpreendi com a publicação especulativa há algumas semanas (03/07) naquela rede que um dia foi o Twitter:
Parece que a crise da academia não poupa ninguém. Depois de ler o tuíte e acompanhar algumas respostas (incluindo os agradecimentos de Richard pelas mensagens privadas com ofertas), foi inevitável fazer a mesma pergunta sobre a minha própria carreira. É óbvio que não foi a primeira vez nem será a última que me questiono sobre o sentido do que fiz nas últimas duas décadas e que, talvez, continuarei fazendo nos próximos 10 ou 15 anos.
Não sei se podemos falar em “crise” da academia, no singular. Me parece que há crises, com causas e consequências diversas para cada docente que ainda está na batalha. No meu caso específico, o problema é definitivamente sobre a perda do sentido no trabalho e na sensação de que seria mais útil em outra atividade.
Retornando ao caso de Richard, o desfecho da publicação não foi menos genial: parece existir um artigo em progresso que modela matematicamente a saída da academia. Nada mais apropriado do que uma abordagem acadêmica para a tomada de decisão sobre a vida acadêmica. Publicar ou perecer, ainda que no além.